A pesquisa de campo em Salvador e sua região metropolitana

A constituição das amostras de fala que constituem o Acervo de Fala Vernácula do Português Popular de Salvador é fruto de uma grande pesquisa de campo feita quase que simultanenamente em quatro bairros da cidade e em um município de sua região metropolitana. Esse trabalho de campo compreendeu várias etapas: estabelecimento de contatos na comunidade; conhecimento do universo cultural da localidade; identificação dos informantes; marcação e realização das entrevistas. Em cada uma dessas etapas, os pesquisadores do Projeto Vertentes enfrentaram muitas dificuldades e superaram muitos obstáculos, mas, sobretudo, predominou a violência urbana que aflige o país em função de sua distribuição de renda. A seguir será feita uma breve descrição desse trabalho de campo.

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Após a definição das localidades, os membros do Projeto começaram a se movimentar para estabelecer contatos nas localidades escolhidas para iniciar a pesquisa de campo. Recorreu-se, então, à rede de relações pessoais dos membros da equipe, envolvendo: parentes, colegas, conhecidos, alunos e professores. Contando com esse apoio local, os pesquisadores, normalmente em dupla, estabeleciam o primeiro contato com os potenciais informantes. Nesse momento, era preenchida uma ficha de identificação [ ver ficha do informante ]. Essa ficha contém informações relativas à identificação do potencial informante considerando, tanto as variáveis estratificadas na amostra (sexo e idade), quanto outras variáveis a serem consideradas na análise: (i) local de nascimento, (ii) tempo de residência no bairro, (iii) nível de escolaridade, (iv) profissão, (v) rede de relações sociais, e (vi) exposição aos meios de comunicação de massa. Além disso, a ficha contém também uma informação sobre a atitude do indivíduo diante dos pesquisadores, basicamente se tinha sido receptivo ou refratário.

Inicialmente foram contatados aleatoriamente 36 indivíduos em cada localidade a partir de algumas características previamente definidas, constituindo-se uma amostra estratificada da seguinte maneira: seis homens e seis mulheres para cada uma das faixas etárias definidas: faixa I, de 25 a 35 anos; faixa II, de 35 a 45 anos; faixa III, com mais de 65 anos. Só foram cadastrados indivíduos com zero a quatro anos de escolaridade. Nos bairros da Liberdade, Plataforma e Itapuã, todos os potenciais informantes tinham de ser naturais do próprio bairro, por serem bairros tradicionais, de ocupação antiga. No bairro de Cajazeiras e no município de Lauro de Freitas, os potenciais informantes deveriam ser moradores do bairro há pelo menos dez anos, para os indivíduos da faixa I; e quinze anos, para os indivíduos das faixas II e III, já que se tratava de bairros de ocupação recente. Buscou-se também selecionar nessas duas últimas localidades, 18 indivíduos nascidos na Capital e 18 nascidos no interior do estado, para tentar capturar nas análises sociolinguísticas os efeitos do êxodo rural para a periferia das grandes cidades, ocorrido nas últimas décadas. A primeira etapa de estabelecimento de contatos em cada localidade e de cadastramento dos 36 potenciais informantes se realizou entre agosto de 2007 e março de 2008.

Dos 36 indivíduos inicialmente cadastrados foram selecionados 18, para a constituição da amostra de fala vernácula em cada localidade. A seleção se baseou nos dados das fichas. Foram selecionados preferencialmente os indivíduos com uma atitude receptiva. Além disso, foram levadas em conta as variáveis naturalidade, rede de relações sociais e exposição aos meios de comunicação de massa, definindo-se um perfil específico para cada bairro.

Dessa forma, as amostras dos bairros tradicionais da Liberdade, Plataforma e Itapuã foram constituídas com indivíduos naturais do próprio bairro. Já as amostras de Cajazeiras e Lauro de Freitas, na periferia da metrópole, contêm indivíduos provenientes de outros bairros da cidade e indivíduos que haviam migrado do interior do Estado. No que concerne à rede de relações sociais, os informantes de Itapuã e Plataforma deveriam ter rede de relações locais, já que se observou que a maioria dos moradores das classes baixas desses bairros trabalhava no próprio bairro e ali passava a maior parte do tempo, quase não mantendo relações com os moradores de outras partes da cidade. Já os moradores da Liberdade costumavam trabalhar no centro da cidade em função da proximidade, de modo que os informantes selecionados deveriam ter uma rede de relações mais ampla abrangendo relações com indivíduos de outras partes da cidade. Já em Cajazeiras e Lauro de Freitas, o cenário foi mais heterogêneo, com indivíduos que faziam a vida no próprio bairro, ficando portanto restritos a uma rede de relações locais, e indivíduos que trabalhavam no centro da cidade estabelecendo uma rede de relações mais ampla. Assim sendo, os informantes selecionados nessas duas localidades exibiam os dois perfis: de rede local e ampla de relações sociais.

Quanto à exposição aos meios de comunicação de massa, o perfil que emergiu em cada bairro também foi diferenciado. Em Cajazeiras, a maioria dos indivíduos cadastrados tinha uma alta exposição aos meios de comunicação de massa. Já em Lauro de Freitas, predominou uma baixa exposição à mídia. Nos demais bairros, encontrou-se um cenário mais heterogêneo, mesclando-se indivíduos com níveis alto e baixo de exposição aos meios de comunicação de massa. Dessa forma, o perfil dos informantes escolhidos em cada bairro foi diferenciado também em relação à exposição à televisão e ao rádio.

Considerando essas características que emergiram da escolha aleatória inicial dos 36 indivíduos a partir das variáveis estratificadas na amostra (sexo e faixa etária), foram selecionados os doze indivíduos (dois homens e duas mulheres em cada faixa etária) de cada localidade que foram entrevistados para a constituição do Corpus Base, e mais seis (um homem e uma mulher em cada faixa etária), para a constituição do Corpus Complementar. Com a realização das dezoito entrevistas em cada localidade, completaram-se as noventa entrevistas de fala espontânea com duração entre quarenta e sessenta minutos que formam o Acervo de Fala Vernácula do Português Popular de Salvador. A etapa da realização desse conjunto de entrevistas se estendeu de janeiro a dezembro de 2008.

Portanto, a sistemática adotada na composição da amostra de cada localidade escolhida para esta pesquisa sociolinguística conduziu à definição de um perfil diferenciado em cada localidade, refletindo as diferenças sócio-culturais dos bairros populares da cidade do Salvador. Foram realizadas ainda nos bairros da Liberdade, Plataforma e Cajazeiras entrevistas com dois líderes comunitários, que servirão como corpus de controle para tentar capturar o efeito da inserção social diferenciada dos indivíduos que assumem uma posição de liderança na coletividade. Entre os aspectos subjacentes à hipótese de que esses indivíduos têm um comportamento linguístico diferenciado, está a sua mais ampla e intensa rede de relações sociais, não raro envolvendo contatos constantes com indivíduos de extratos sociais mais elevados.

Quadro das entrevistas do Bairro da Liberdade

Quadro das entrevistas do Bairro da Plataforma

Quadro das entrevistas do Bairro de Itapuã

Quadro das entrevistas do Bairro de Cajazeiras

Quadro das entrevistas do Municípios do Lauro de Freitas

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Expediente O responsável por este sítio é o Coordenador do Projeto Vertentes, Dante Lucchesi, autor da maioria dos textos aqui publicados.

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