A Sociolinguística Variacionista
Imagem
O livro Sociolinguistics Paterns, de William Labov, publicado em 1972, é o grande clássico da Teoria da Variação e Mudança, definindo os modelos que seriam seguidos pela pesquisa sociolinguística até os dias atuais. Este livro foi publicado pela Editora Parábola, com tradução de Marcos Bagno, Marta Scherre e Caroline Cardoso, no ano de 2008.

A fundamentação teórica e metodológica do Projeto Vertentes é fornecida fundamentalmente pelo paradigma científico da Sociolinguística Variacionista (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968; LABOV, 1966, 1982, 1994, 2001a, 2001b, 2008[1972]). O modelo teórico-metodológico da Sociolinguística Variacionista surgiu na década de 1960, com base nas pesquisas empíricas de William Labov (1966 e 2008[1972]) na Ilha de Martha’s Vineyard e na cidade de Nova York, em função do espaço criado pela incapacidade do Estruturalismo em abordar satisfatoriamente a questão da mudança linguística (LUCCHESI, 2004). Desde então, esse modelo tem orientado um ramo expressivo da linguística que busca descrever a realidade social da língua em vários países (especialmente, os Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha e Brasil), analisando as relações entre língua sociedade e procurando identificar os mecanismos que atuam na implementação das mudanças linguísticas.

O pressuposto teórico que fundamenta a pesquisa sociolinguística é o princípio de que a variação observada em um determinado momento refletiria os potenciais processos de mudança operando na estrutura linguística. Dessa forma, através da análise sistemática da variação sincrônica seria possível analisar o próprio desenvolvimento diacrônico da mudança linguística. A distribuição das variantes linguísticas na estrutura interna da língua e na estrutura social refletiriam a propagação do processo de mudança. Os contextos linguísticos em que a variante inovadora é mais frequente indicariam os fatores estruturais que estariam favorecendo aquele processo específico de mudança, enquanto os contextos em que a variante conservadora é mais frequente indicariam os fatores estruturais inibidores do processo de mudança. Da mesma forma, os fatores sociais com maior frequência da variante inovadora estariam impulsionando a mudança; aqueles com menor frequência desta estariam retardando a mudança. Assim, a mudança linguística seria uma função dos fatores linguísticos e sociais que a determinam (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968], p. 107-108), e a quantificação da frequência das variantes linguísticas em função dessas variáveis linguísticas e sociais que afetam o seu uso tornou-se essencial à análise variacionista, a tal ponto que o modelo também passou a ser chamado Sociolinguística Quantitativa. E modelos computacionais foram desenvolvidos para o processamento estatístico dos dados da variação linguística (TAGLIAMONTE, 2006; GUY; ZILLES, 2007; OUSHIRO, 2022).

...

Porém, a variação sincrônica não refletiria necessariamente um processo diacrônico de mudança, já que as variantes poderiam se manter em concorrência na estrutura linguística indefinidamente, o que configuraria uma situação de variação estável. Labov (1981) sistematizou os resultados que deveriam ser considerados para fazer a distinção entre a variação estável e a mudança em progresso, com base nas seguintes variáveis sociais explanatórias: idade, sexo e classe social do informante1. Em linhas gerais, o diagnóstico de mudança em progresso deveria se basear nos seguintes resultados: (i) uma curva ascendente no resultado da variável faixa etária, com os falantes mais jovens empregando mais a variante inovadora; (ii) com os homens liderando o processo de mudança, nos casos de mudança que se afastam do padrão de prestígio, e as mulheres liderando as mudanças em direção às variantes de prestígio; 2 e (iii) os setores da classe média baixa e da classe operária alta liderando as mudanças em direção às formas de prestígio. Os casos de variação estável seriam representados por um padrão curvilíneo, com a variante de prestígio sendo mais empregada pelos indivíduos da faixa etária intermediária (com idade para atuar no mercado de trabalho);3 nesse cenário, as mulheres e os membros das classes mais altas também empregariam mais as variantes de prestígio.

Embora esse modelo tenha orientado um grande volume de pesquisas empíricas da Sociolinguística desde a década de1970, algumas críticas e propostas alternativas têm sido formuladas, desde a década de 1980, inclusive no que concerne à definição do objeto de estudo da sociolinguística como formulada por Labov. Labov define o objeto de estudo da Sociolinguística como a comunidade de fala. A comunidade de fala se define mais pela uniformidade do julgamento das formas linguísticas do que pela homogeneidade no comportamento linguístico dos seus membros (LABOV, 2008[1972], p. 150 e 188). Para James e Lesley Milroy (1997, p. 54-55), a concepção de Labov baseia-se em uma visão tradicional de estratificação social que “resulta em uma visão de consenso na sociedade, que pressupõe uma concordância geral em torno da hierarquia”. Esse modelo seria incapaz de apreender as contradições sociais e os diferentes sistemas de avaliação da variação linguística que se opõem dentro da comunidade de fala. Para apreender essas contradições, James e Lesley Milroy desenvolveram um modelo de análise a partir de pesquisas de campo de Lesley Milroy, com um caráter mais etnográfico, junto a comunidades de trabalhadores da cidade de Belfast, na Irlanda do Norte. Para Eckert (2012), esse modelo constituiria a segunda onda de desenvolvimento das pesquisas sociolinguísticas.

Tal modelo se baseia no conceito de rede social (MILROY, L., 1980; MILROY, L.; MILROY, J., 1992) e visa a desenvolver uma metodologia de mensuração da resistência de determinados grupos sociais à normatização linguística institucional, pois esses pesquisadores observaram que algumas comunidades de trabalhadores conservavam sua norma vernacular, como uma forma de solidariedade de grupo, não assimilando o modelo de prestígio proveniente das classes médias e altas. Segundo o seu conceito fundador, o comportamento do falante individual é, em grande parte, determinado por sua rede de relações sociais.

Por outro lado, Penelope Eckert critica o uso de categorias sociais macro, como sexo, idade e classe social, na variação linguística e centra sua análise na forma como os indivíduos constroem sua identidade social a partir de suas práticas linguísticas. Esse modelo de análise se funda a partir do conceito de comunidade de prática, constituindo o que Eckert (2012) definiu como terceira onda de desenvolvimento das pesquisas sociolinguísticas. Eckert e McConnell-Ginet (2010[1992], p. 464) definem comunidade de prática como um grupo de pessoas que se reúnem em torno do desenvolvimento mútuo de um objetivo comum. Os estudos da terceira onda enfatizam a atuação consciente do falante nas negociações linguísticas e se centram principalmente nas questões de gênero.

Em um outro sentido, Lucchesi (2015, p. 45-76) criticou a forma mecanicista e atomística como os resultados das variáveis sociais têm sido interpretadas nas análises sociolinguísticas, propondo uma abordagem mais globalizante dos processos de variação e mudança, considerando o contexto sócio-histórico mais amplo, bem como os aspectos ideológicos decorrentes das contradições de classe que permeiam a sociedade capitalista. Com essa proposição, Luchesi vai em uma direção oposta à da tendência liderada por Eckert. Em relação a esta última, pode-se questionar como um modelo que focaliza pequenos grupos e despreza macro categorias pode dar conta de processos históricos de mudança linguística que afetam sociedades inteiras. Mudanças como a substituição do pronome vós por vocês se implementaram no conjunto das sociedades de Portugal e do Brasil e nas parcelas lusófonas das sociedades dos países de língua oficial portuguesa da África. Da mesma forma, o incremento da realização do pronome sujeito atinge toda a sociedade brasileira. Evidentemente que a implementação da mudança se dá em ritmo diferente nos diversos extratos sociais, mas a mudança linguística é positivamente um processo que deve ser equacionado com base em grandes categorias sociais.

Por outro lado, a proposta de Lucchesi se aproxima mais do modelo dos Milroy, pois ele não refuta a correlação com as varáveis sociais, no plano social mais amplo, como faz Eckert. Com base em suas reflexões teóricas, Lucchesi (2015) sistematizou uma visão de conjunto para a realidade linguística do Brasil, com base na concepção de polarização sociolinguística, que se fundamenta no conceito axial de norma sociolinguística. O algoritmo da polarização sociolinguística do Brasil, visa capturar, por um lado, a profunda concentração de renad e desigualdade social que caracterizam a sociedade brasileira. Por outro, lado, o algoritmo tem um caracter eminentemente sócio-histórico, apreendendo todo o processo de formação da realidade sociolinguística do Brasil, no qual desempenha um papel crucial o massivo contato entre o português e as línguas indígenas e africanas. Portanto, esse desenvolvimento crítico do paradigma variacionista define todo direcionamento da pesquisa empírica empreendida no âmbito do Projeto Vertentes.

NOTAS

1 No Brasil, a variável classe social tem sido substituída pela variável escolaridade (VOTRE, 2003).

2 Essa visão é discutida e questionada por Freitag (2015).

3 Essa generalização é questionada por Lucchesi (2015).

REFERÊNCIAS

ECKERT, Penelope. Three waves of variation study: the emergence of meaning in the study of sociolinguistic variation. Annual Review of Anthropology, 41, 2012, p. 87-100.

ECKERT, Penelope; MCCONNELL-GINET, Sally. Comunidade de prática: lugar onde co-habitam linguagem, gênero e poder. In: OSTERMANN, A. C.; FONTANA, B. (Org.). Linguagem, gênero e sexualidade: clássicos traduzidos. São Paulo: Parábola Editorial, 2010

FREITAG, R. M. K. (Re)discutindo sexo/gênero na sociolinguística. In: FREITAG, R. M. K., SEVERO; GORSKI, C. (ed.). Mulheres, Linguagem e Poder - Estudos de Gênero na Sociolinguística Brasileira. São Paulo: Editora Edgard Blücher, 2015, p. 17-74.

GUY, Gregory; ZILLES, Ana. Sociolinguística Quantitativa. São Paulo: Parábola, 2007.

LABOV, William. The Social Stratification of English in New York City. Washington, DC: Center for Applied Linguistics, 1966.

LABOV, William. What can be learned about change in progress from synchrony descriptions. In: SANKOFF, David; CEDERGREN, Henrietta (Ed.). Variation Omnibus. Carbondale; Edmonton: Linguistic Research, 1981. p.177-199.

LABOV, William. Building on empirical foundations. In: LEHMANN, W. P.; MALKIEL, Y. (Ed.). Perspectives on historical linguistics. Amsterdam; Philadelphia: John Benjamins, 1982. p.17-92.

LABOV, William. Principles of linguistic change. Oxford; Cambridge: Blackwell, 1994.

LABOV, William. Principles of Linguistic Change: Social Factors. Oxford: Blackwell, 2001a.

LABOV, William. Principles of Linguistic Change: Cognitive and Cultural Factors. Oxford: Wiley Blackwell, 2001b.

LABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008[1972].

LUCCHESI, Dante. Sistema, mudança e linguagem: um percurso na história da linguística moderna. São Paulo: Parábola, 2004.

LUCCHESI, Dante. Língua e Sociedades Partidas: a polarização sociolinguística do Brasil. São Paulo: Contexto, 2015.

MILROY, Lesley. Language and Social Network. Oxford: Blackwell, 1980.

MILROY, Lesley; MILROY, James. Social network and social class: toward an integrated sociolinguistic model. Language in Society, n. 21, p. 1-26, 1992.

OUSHIRO, Livia. Introdução à Estatística para Linguistas. Campinas: Editora da ABRALIN, 2022.

TAGLIAMONTE, Sali A. Analyzing Sociolinguistic Variation. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.

VOTRE, Sebastião. Relevância da variável escolaridade. In: MOLLICA, C.; BRAGA, M. L. (Org.). Introdução à sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2003. p.51-58.

WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. São Paulo: Parábola, 2006[1968].

logo
Expediente O responsável por este sítio é o Coordenador do Projeto Vertentes, Dante Lucchesi, autor da maioria dos textos aqui publicados.

Apoio

Logo UFBA
Logo CNPQ
Logo fabesb
Associados Logo PROHPOR Logo PROHPOR