Cercado pela orla marítima da Baía de Todos os Santos e pelo conhecido Parque São Bartolomeu – tombado pelo patrimônio histórico da humanidade –, o bairro de Plataforma é um dos mais antigos do Subúrbio Ferroviário de Salvador, e está situado à margem da Avenida Suburbana. Segundo Serpa (2001), diferente dos outros bairros do subúrbio ferroviário, que tiveram sua origem datada a partir do início do século XX, Plataforma se originou ainda no século XIX, com a instalação da fábrica de tecidos São Brás, em 1875. Moura (2001) afirma que o nome do bairro teria surgido por conta da existência de uma balsa no formato de uma "plataforma flutuante", que fazia a travessia marítima das pessoas entre Plataforma e Ribeira, na época em que outros meios de transporte, como ônibus e trem, eram precários ou não existiam. Embora não reconhecido pelo poder oficial, o bairro de Plataforma foi, no passado, um espaço que marcou decisivamente a história da cidade de Salvador.
...Conforme relatos de Moura (2001), em 1558, o bairro era uma aldeia jesuítica, a Aldeia de São João, constituída por índios da nação Tupi – os Tupinambá. Esta aldeia situava-se nas Ribeiras de Pirajá e o seu nome foi dado em homenagem a São João Evangelista, cuja festa celebrava-se no dia 27 de dezembro. Em 1560, a aldeia foi destruída após uma rebelião indígena, liderada pelo chefe índio Mirangoaba, que buscava fugir da dominação portuguesa, mas foi reconstruída no ano seguinte pelo padre Gaspar Lourenço e pelo irmão Simeão Gonçalves de Santiago, passando a ser sede religiosa em 1624. Mais tarde, a aldeia foi palco do primeiro sermão público em favor dos escravos negros, feito pelo Padre Antonio Vieira.
O local onde hoje é o bairro de Plataforma foi, em 1638, de acordo com Serpa (2001), a porta de entrada para a invasão holandesa na cidade de Salvador. Mais tarde, nos embates pela Independência da Bahia, em 1823, o local também foi usado pelos portugueses como via de comunicação entre o norte, o centro e a capital baiana, através da "Estrada das Boiadas", atualmente chamada de "Rua 8 de Novembro". Em 1850, a implantação da estrada de ferro Calçada-Paripe deu início à expansão urbana rumo ao subúrbio ferroviário, sendo construída em Plataforma a Estação de Trem Almeida Brandão. A linha férrea, no seu período de auge, trouxe muitos benefícios à população do bairro – como o abastecimento da feira local com mercadorias que vinham do interior, a chegada da iluminação elétrica, a presença do transporte público e a instalação da fábrica de tecidos São Brás –, que proporcionaram o povoamento do bairro de Plataforma e a formação da Vila Operária. Todavia, o deslocamento da produção fabril para o sudeste, no final do século XIX, e a descoberta do petróleo, em meados do século XX, mudaram os rumos dos investimentos e do processo de produção no país, conduzindo ao fechamento da fábrica São Brás em 1959. Isso, contudo, não diminui o seu importante papel na história do bairro e na vida dos seus moradores, pois "o bairro cresceu a partir da fábrica, especialmente o comércio local", sendo difícil encontrar, nos dias atuais, "alguém que não trabalhou ou tem pelo menos um parente que era empregado na indústria de tecidos" (SERPA, 2001). Era, portanto, "a alma do bairro" (SERPA, 2001).
Apesar da inegável importância histórica, política e econômica do bairro, Plataforma, assim como os outros bairros do subúrbio ferroviário, passa atualmente por um visível processo de degradação. Os moradores, que em meados da década de 90 já chegavam a 58 mil (SERPA, 2001), sofrem com a falta de infra-estrutura adequada e com a ausência do poder público, o que acaba – segundo Espinheira (2003) – relegando o bairro a um mero espaço de escoamento da pobreza da cidade. Por conseguinte, Plataforma deixou de ser uma referência para a cidade e tornou-se um símbolo da decadência física e social que se vivencia cotidianamente nos bairros periféricos na capital baiana.
Entretanto, há também aspectos que ainda contribuem para o destaque do bairro de Plataforma na cidade e que alimentam constantemente o orgulho dos moradores pelo bairro, como o famoso restaurante "Boca de Galinha" e a travessia marítima "Plataforma-Ribeira" – que funcionam como ponto de atração de turistas – além de uma visão privilegiada da Baía de Todos os Santos.
Quanto ao perfil dos moradores do bairro, não há muita diversidade, diferentemente do que foi observado em relação a outros bairros, como Liberdade e Lauro de Freitas. Há em Plataforma um perfil socioeconômico semelhante na grande parte dos seus moradores. A maioria deles são nascidos e criados no bairro; possuem uma rede de relações local, uma vez que o trabalho, o lazer e as amizades estão ali concentrados; e possuem um baixo poder aquisitivo e pouca escolaridade (a maioria concluiu apenas o ensino fundamental II).
Considerando esses aspectos e as variáveis previamente definidas para a pesquisa, foi-se delineando um perfil dos informantes que constituiriam o corpus da pesquisa: 18 homens e 18 mulheres, distribuídos em três faixas etárias (25-35; 45-55; acima de 65), com pouco ou nenhum grau de escolaridade, nascidos no bairro, com rede de relações local, e que nunca haviam se ausentado da comunidade.
No que diz respeito ao perfil dos moradores, um outro aspecto que chamou a atenção dos pesquisadores foi o clima de amizade e solidariedade entre eles, bem semelhante ao de comunidades do interior. É comum encontrar os vizinhos reunidos, no fim de tarde, nas portas das suas casas, para um "bate-papo" ou um joguinho de dominó. É natural que os filhos, ao se casarem, construam as suas casas bem próximas a dos seus pais. E é admirável o pacto de solidariedade que parece haver entre os moradores, uma vez que um vizinho está sempre disposto a ajudar o outro nos mais diversos aspectos. Esse perfil do bairro favoreceu amplamente a pesquisa na comunidade, pois o fato de conhecer dois ou três moradores possibilitava o acesso aos demais membros da comunidade e ajudava a dissolver o clima de desconfiança. Por outro lado, esse cenário típico de comunidades interioranas causou uma inquietação aos pesquisadores: a de saber se o apego à tradição do bairro e a sensação de pertencimento à comunidade influenciam ou refletem a manutenção da variedade local.
As nossas entrevistas concentraram-se na parte baixa de Plataforma, designada São João do Cabrito, uma vez que lá estava a maior parte dos informantes que atendiam ao perfil estabelecido, sobretudo o da escolaridade, em virtude da presença de uma colônia de pescadores. Lá, inclusive durante o período da "maré alta", como dizem os pescadores, encontramos muitos dos nossos informantes, independentemente da faixa etária ou do sexo. Isso porque a proximidade do bairro com o mar, assim como a falta de emprego, fez da pesca uma das atividades primordiais da economia local. É uma atividade transmitida de geração a geração, sendo comum ouvir os moradores dizerem que aprenderam a pescar com os pais e/ou avós. Por outro lado, é comum também a presença das mulheres na colônia, seja lidando diretamente com a pesca, seja na limpeza e/ou preparo dos peixes para a venda. Em muitos dos relatos, ficou evidente que é o comércio de peixes e mariscos que, muitas vezes, garante aos moradores o sustento de suas famílias. Mas, quando isso não é possível, a solução é fazer do que pescam o seu próprio alimento.
Ainda na parte baixa de Plataforma, foi possível encontrar a maior parte dos informantes da faixa III, por ser a parte mais antiga do bairro. Neste espaço, encontram-se pessoas nascidas e criadas no bairro com cerca de 90 anos de idade. Com esses moradores mais velhos, foi possível conhecer um pouco da história e da expansão do bairro. As conversas revelaram que grande parte das terras do bairro pertencia à família Martins Catharino e que muitas das moradias atuais foram construídas em cima da parte da maré que secou e que o local sofria muito com a falta de água, pois só havia uma fonte para abastecer todos os moradores do local. Ainda nessas conversas, foi possível saber também um pouco sobre a fábrica de tecidos que movimentou a economia local durante muito tempo e legou a alguns a aposentadoria que hoje recebem. Por outro lado, não deixaram de apontar as marcas deixadas em seus corpos e nos de conhecidos (cortes profundos, dedos mutilados) durante o trabalho fabril. De qualquer forma, a fábrica figura como uma boa lembrança entre os moradores mais antigos, por ter-lhes proporcionado o primeiro emprego ou até mesmo o único, para muitos deles.
Contrariamente às expectativas iniciais, não foi difícil encontrar informantes da faixa I, pois a dura vida local fez com que muitos jovens abandonassem a escola ainda nas séries iniciais. Entre os informantes, apenas um voltou a estudar, quando adulto, no período noturno. Os demais não quiseram retornar aos estudos ou foram impossibilitados, pois tiveram de cuidar dos filhos e/ou "se virar" para garantir o sustento. Por outro lado, uma das grandes dificuldades da pesquisa no bairro de Plataforma foi contatar os informantes da faixa II, só sendo possível encontrá-los à noite, quando estavam na escola; ou nos finais de semana, quando após a semana de trabalho, procuravam colocar "a vida em ordem". Resistiam às solicitações de entrevista, sendo os que, inicialmente, mais se mostraram desconfiados. Muitos expedientes foram acionados para que se pudesse chegar a esses informantes e convencê-los a colaborar com a nossa pesquisa.
O clima de espontaneidade, como era pretendido, permeou as entrevistas dos moradores. Os temas que se mostraram mais produtivos na localidade foram "o trabalho na fábrica", "a vida de pescador", "a falta de assistência dos políticos" e "a infância no bairro". Esse foi o caminho percorrido que nos permitiu ouvir histórias de pessoas que lutam dia a dia para vencer a "vida difícil" na zona periférica da cidade (com o esquecimento por parte dos governantes e das políticas públicas) e que, ainda assim, nutrem uma enorme paixão pelo local onde nasceram e foram criados. Cada história contada proporcionou aos pesquisadores, além de uma significativa experiência na pesquisa científica, o seu crescimento como seres humanos.
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