Cinzento: um remanescente de quilombo

Por Jorge Augusto Alves da Silva

O termo quilombo (do quimbundo kilombo) foi usado primeiramente para designar fortificações dos jagas (designação dos povos que invadiram o Congo e Angola no final do século XVI). Por extensão, quilombo passou a nomear fortificações de negros fugidos do cativeiro. A palavra "mocambo", muitas vezes, é usada como sinônimo de quilombo.

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Para historiadores como Kátia Mattoso, um quilombo é um esconderijo de escravos fugidos e tal prática seria uma das formas comuns de luta contra a escravidão. Tais espaços, certamente, clandestinos constituem formas grupais de resistência e de afirmação de uma comunidade unida não só pela cor, mas também pela condição de sofrimento. A historiadora Kátia Mattoso observa que os quilombos não eram premeditados, nasciam espontaneamente, podendo reunir negros e crioulos, escravos ou homens livres.

Os livros didáticos que tratam da história da Bahia, segundo Pedro Tomás Pedreira, fazem pouca ou nenhuma referência à existência de quilombos, embora eles existam em número considerável, por quase todas as regiões do estado. Alguns dos quilombos citados pelo historiador são: o Quilombo do Rio das Rãs (conhecido como A Fazenda Rio das Rãs, situado a 70 km de Bom Jesus da Lapa), o Quilombo do Bananal e o Quilombo da Barra (localizados ao sul da Chapada Diamantina, a 15 km de Rio de Contas), o quilombo da Torre de Garcia d'Ávila,o quilombo de Jacuípe, o quilombo de Jaguaripe, o quilombo de Maragojipe, o quilombo de Muritiba, o quilombo de Cachoeira, o quilombo de Itaberaba (Orobó), o quilombo de Andaraí, o quilombo de Tupim (atual "Boa Vista do Tupim"), o quilombo de Xique-Xique e o quilombo do Buraco do Tatu (Mares de Cabula e arredores de Itapoã).

A esses quilombos, somam-se outros que vão aos poucos sendo "descobertos" por estudos históricos particulares, como é o caso do quilombo incrustado na região sudoeste da Bahia, próximo da cidade de Planalto, a 77 km de Vitória da Conquista e 450 km da cidade do Salvador. Embora o nome seja curioso, Cinzento não possui uma história tão diferente dos demais quilombos baianos.

Breve história de Cinzento: uma comunidade quilombola

Segundo Graziele de Lourdes Novato Ferreira "a vinda dos primeiros negros para o Cinzento está associada às comunidades estabelecidas à margem do Rio Gavião" por volta de 1810 e 1860. Segundo relatos dos antigos moradores, os fundadores de Cinzento são da região da Chapada Diamantina, mais precisamente do antigo "Arraial dos Crioulos" e o sobrenome Pereira Nunes, predominante em Cinzento, é o mesmo de um antigo proprietário de escravos da região de Rio de Contas. Ana Isidora (107 anos) afirma que os primeiros moradores vieram "currido", sugerindo que a chegada deu-se de forma clandestina, pois a vinda se deu "à meia-noite, terça-noite".

Foto de uma senhora
Ana Isidora (Tiana) é a mais velha das cinzentenses viva (107 anos). Tiana reporta a história de sofrimento dos primeiros moradores, já que ouviu da mãe os relatos da chegada à região de Cinzento.

Qualquer pessoa que vá, pela primeira vez a Cinzento, pergunta-se por que eles escolheram um local tão acidentado para viver. Além disso, a falta de fontes naturais de água aumenta as dificuldades de sobrevivência. Por que Cinzento esteve por tanto tempo isolado da cidade mais próxima? Curiosa, também, é a origem do nome que, por si, descreve o estado de pobreza dos moradores. Conta Ana Isidora que o nome provém de um boi gordo, "de tão gordo parecia cinza", que apareceu milagrosamente para alimentar os primeiros moradores.

O que levaria os primeiros moradores a abandonarem o local onde viviam e se deslocarem para uma terra com tantas adversidades como a de Cinzento? Certamente, fugiam da escravidão e buscavam no local a formação de uma irmandade com base primeiro na cor e depois no parentesco, já que a endogamia é uma prática comum até hoje.

Segundo o senhor Saviano Pereira Nunes, nascido e criado no Cinzento, foi o Lourenço Pereira Nunes que desmatou as primeiras terras de Cinzento e delas tomou posse. Outro cinzentense, Tercílio, afirmou-nos que os primeiros desbravadores foram o já citado Lourenço Pereira Nunes e Sérgio Pinheiro dos Santos. A valorização da terra não é apenas uma forma de sobrevivência particular, mas de todo o grupo; pois, da unidade territorial depende a unidade da coletividade. Esse aspecto explicaria a endogamia (casamento entre parentes, especialmente primos) como forma de manutenção das terras na família em caso de divisão.

Foto de três senhoras
D. Ana e filhas apanhando água do "Caldeirão de Pedra". A água em Cinzento é escassa. Pegar água é uma atividade rotineira, coletiva e necessária para a execução de tarefas domésticas.

Os mais velhos afirmam que seus pais contavam ter a obrigação de se ajoelharem "em frente dos donos". Ana Isidora vai mais além e conta que sua bisavó era "caboca do mato e minha avó Maria foi pegada no mato".

Hoje, a comunidade de Cinzento é considerada uma comunidade afro-brasileira. Os cinzentenses são pretos de pele bem escura. Todos são muito parecidos, devido à endogamia em segundo grau. Graziele de Lourdes Novato Ferreira, conhecida historiadora da região, assim descreve os cinzentenses: "Fisicamente, são de estatura mediana, chegando até 1,70, fortes, troncudos, de narinas alargadas, dentes largos e brancos, cabelos crespos e pés consideravelmente grandes".

Foto de três senhoras
Meninos de Cinzento brincando em frente à casa, ainda construída segundo os padrões comuns na comunidade.

Veja a descrição histórica, sócio-econômica e linguística da comunidade de Helvécia...

Veja a descrição sócio-histórica do Município de Rio de Contas...

Veja a descrição histórica, sócio-cultural da comunidade de Sapé...

Referências

BAXTER, Alan. The context of language acquisition among slaves of the Colônia Leopoldina. Trabalho apresentado ao Research Seminar of the
Institute of Latin American Studies, La Trobe University, 1999.
BAXTER, Alan; LUCCHESI, Dante. Un paso más hacia la definición del pasado criollo del dialecto afro-brasileño de Helvécia (Bahia). In: ZIMMERMANN, Klaus (Ed.). Lenguas criollas de base lexical española y portuguesa. Madri: Iberoamericana, 1999. p.119-141.
FERREIRA, Carlota. Remanescentes de um falar crioulo brasileiro. In: FERREIRA, Carlota et al. Diversidade do português do Brasil. Salvador: EDUFBA, 1984. p.21-32.
ZIMMERMANN, Klaus. O português não-padrão falado no Brasil: a tese da variedade pós-crioula. In: ______ (Ed.). Lenguas criollas de base lexical española y portuguesa. Madri: Iberoamericana, 1999. p.441-476.

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Expediente O responsável por este sítio é o Coordenador do Projeto Vertentes, Dante Lucchesi, autor da maioria dos textos aqui publicados.

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