A comunidade rural afro-brasileira de Sapé

Por Maria Cristina Vieira de Figueiredo Silva

Preferimos denominar apenas Sapé esta comunidade, visto que nem mesmo os seus habitantes tenham uma denominação única para a região. Os mais antigos chamam-na de Sapé Grande, enquanto os mais jovens de Sapé Alto, por influência do padre local, que não acha correto caracterizar sapé como grande, já que sapé, como nos informa o dicionário Aurélio, é a designação de uma espécie de capim da família das gramíneas, muito conhecido por servir para cobrir choças, de folhas duras, que é mal aceito pelo gado como forragem. Portanto, fica a polêmica linguística que se instaurou com chegada do novo padre.

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Distrito do Município de Valença, na região do Recôncavo Baiano, Sapé tem seu acesso por uma estrada de terra cujo percurso de 25 quilômetros inicia-se em direção inversa à que leva à cidade de Valença, no entroncamento da BR-101.

Segundo os moradores da cidade, a comunidade formou-se algum tempo após a assinatura da abolição dos escravos. Segundo, João Barreto – fazendeiro local e morador do distrito vizinho, Rapa Tição –, em 1800 as terras que compreendiam Sapé, Rapa Tição e Tabuado pertenciam a um único dono, o Sr. Miguel Elia. Com a morte de Miguel Elia, as terras foram divididas entre seus dois filhos, que em seguida as venderam, por preferirem a vida urbana. Sobre as atividades econômicas da época, contou-nos o Sr. João Barreto que se plantava largamente a mandioca, além de ter áreas reservadas para o pasto, o que significa ter havido criação de gado, mas isso não afirma com certeza, pois, como ele mesmo diz, foram histórias que ouviu de seu avô, o primeiro a chegar à região após a família de Miguel Elia. Dizia seu avô que, ao tomar posse da fazenda, ainda nos últimos anos do século XIX, encontrou, nas terras, uma senzala e troncos onde os escravos eram castigados. Como registro da existência de escravos na região, o Sr. João Barreto mostrou-nos alguns instrumentos dessa época, que guarda como relíquia. Contou-nos ainda que as relíquias encontradas foram divididas entre seus irmãos: as algemas estão em suas mãos e as correntes, na fazenda de José Machado, seu cunhado.

Segundo os informantes, quando foram morar na região do Sapé, tiveram que desmatá-la. Não havia qualquer resquício de plantação. Melhor definindo, ao chegarem encontraram apenas sapé, o qual utilizaram para cobrir suas moradias. Então, o que levou essa pequena população a se concentrar nessa região acidentada, sem recursos naturais e com o solo tão pobre?

Nessa região, mesmo após a abolição, muitos negros permaneceram nas fazendas, trabalhando sem nada receber. Os fazendeiros da região não pareciam gozar de uma boa situação econômica. Alguns anos depois, segundo o Sr. Nuna – um branco que foi morar próximo à região, em 1959, e buscou conhecer a formação da comunidade de Sapé –, os fazendeiros, para quitar suas dívidas com os ex-escravos, "doaram"-lhes pedaços de terra improdutivos, mais altos, sem trato e distantes da água. Esses ex-escravos ali permaneceram e casaram entre si, aumentando a população local, e, curiosamente, mantendo-se isolados. De acordo com o Sr. João Barreto, foram cinco negras de uma família de oito que deram origem à comunidade, entre elas, D. Isabel, mãe de Sr. Liordino, que diz ter espalhado pela região mais de 30 filhos.

Atualmente, a comunidade é formada por, aproximadamente, 100 habitantes, na região mais concentrada, e constituída, predominantemente, como em todas as sociedades mais recentes, por jovens e crianças. Apesar de haver energia elétrica há 10 anos, a maioria das famílias não tem o privilégio de utilizá-la, pois se restringe à rua principal. São poucos os moradores que possuem eletrodomésticos – geladeiras, por exemplo há pouquíssimas, mas os aparelhos de TV são bastante encontrados, ligados à bateria de carro em lugares onde a rede elétrica não atende. Não há, na comunidade, saneamento e, nas casas, não há banheiros, quem os tem é considerado rico. Tanto homens quanto mulheres e crianças trabalham na roça e ganham entre R$ 4,00 e R$10,00 a diária em época de plantio ou colheita. As famílias, em seus pedaços de terra, hoje bastante reduzidos em função da divisão entre os filhos, praticam agricultura de subsistência. Plantam feijão e mandioca, com a qual fazem farinha, cujo excedente vendem na BR 101. Possuem também alguns pés de cravo e cacau, de cuja casca tiram o mel para beber com cachaça ou para vender. Não há, na população local, a ambição de sair da comunidade em busca de melhores condições de vida, como se pode constatar nas comunidades de Helvécia e Rio de Contas.

Quanto à religião, toda a comunidade é Católica. Inquiridos sobre crenças africanas, os informantes afirmavam com orgulho não ter entre eles qualquer seguidor de cultos africanos. O isolamento dessa comunidade faz-nos crer que, na sua fala, registrem-se hábitos linguísticos bastante reveladores de processos de mudança induzidos pelo contato entre línguas que marca a origem desse dialeto.

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Moradores da comunidade de Sapé em frente a casa.

Veja a descrição histórica, sócio-econômica e linguística da comunidade de Helvécia...

Veja a descrição histórica, sócio-cultural da comunidade de Cinzento...

Veja a descrição sócio-histórica do Município de Rio de Contas...

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Expediente O responsável por este sítio é o Coordenador do Projeto Vertentes, Dante Lucchesi, autor da maioria dos textos aqui publicados.

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