O Projeto Vertentes tem por principal objetivo analisar a configuração social da língua no estado da Bahia, com base no algoritmo da polarização sociolinguística do Brasil (LUCCHESI, 2015). A clivagem etnolinguística, entre a língua da elite colonial branca, por um lado, e as línguas dos povos indígenas e africanos subjugados, por outro, predominante nos primeiros séculos de formação da sociedade brasileira, determinou a configuração da realidade sociolinguística atual do Brasil, com a clivagem entre a língua da elite letrada, composta majoritariamente pelos descendentes da elite colonial e do império, e a língua das classes sociais mais marginalizadas, compostas majoritariamente por afro e indiodescendentes. O próprio nome do Projeto Vertentes remete a essas duas vertentes de formação da realidade sociolinguística do Brasil, já que essa realidade é cindida em função da divisão que marca a sua formação histórica.
Após constituir um dos mais amplos acervos da linguagem popular da pesquisa sociolinguística no país (o Acervo de Fala Vernácula do Português Popular do Estado da Bahia), a equipe do Projeto Vertentes está concluindo a coleta de uma amostra linguística da elite letrada da capital do estado, a cidade de Salvador. Com a constituição dessa base empírica, o Projeto Vertentes está podendo desenvolver análises que iluminam a realidade social da língua na Bahia e no Brasil como um todo, em função das generalizações que podem ser feitas, a partir dos seus resultados.
Em seu conjunto básico, o Acervo de Fala Vernácula do Português Popular do Estado da Bahia é constituído por: (i) 12 entrevistas sociolinguísticas com moradores, com pouca ou nenhuma escolarização, de quatro comunidades quilombolas do interior do Estado da Bahia, distribuídos equitativamente pelos dois sexos e por três faixas etárias (20 a 40 anos; 41 a 60 anos; e mais de 60 anos), perfazendo um total de 48 entrevistas, com duração entre 40 e 60 minutos cada uma, que compõem o Acervo de Fala Vernácula do Português Afro-Brasileiro; (ii) 12 entrevistas sociolinguísticas com os moradores da sede e 12 entrevistas com os moradores da zona rural, todos com pouca ou nenhuma escolarização, em dois municípios do interior do Estado da Bahia (Santo Antônio e Jesus e Poções), distribuídos equitativamente pelos dois sexos e por três faixas etárias (25 a 35 anos; 45 a55 anos; e 65 a 75 anos), perfazendo também um total de 48 entrevistas, com duração entre 40 e 60 minutos cada uma, que compõem o Acervo de Fala Vernácula do Português Popular do Interior; e (iii) 12 entrevistas sociolinguísticas com moradores, com pouca ou nenhuma escolarização, de quatro bairros populares da cidade de Salvador (liberdade, Plataforma, Itapoã e Cajazeiras) e de um município de sua região metropolitana (Lauro de Freitas), com a mesma estratificação da anterior, perfazendo também um total de 60 entrevistas, com duração entre 40 e 60 minutos cada uma, que compõem o Acervo de Fala Vernácula do Português Popular da Capital. São aproximadamente 130 horas de fala vernácula das principais variedades da língua popular do Estado da Bahia, já transcritas e armazenadas em meio digital.
Após a pandemia, em março de 2022, a equipe do Projeto Vertentes deu início a constituição de uma amostra linguística com membros da elite letrada da capital do Estado da Bahia, adotando o critério tradicionalmente usado para definir o falante da chamada norma culta: ter ao menos um curso superior concluído. Foram gravadas 24 entrevistas sociolinguísticas com 24 falantes com esse nível de escolaridade, com a mesma estratificação das amostras do português popular. Além disso, foi recolhida também uma gravação de uma fala formal de cada um dos 24 participantes, bem como a gravação da leitura de um pequeno texto escrito, de uma lista de palavras e de pares mínimos que remetem a variações fônicas previamente identificadas. Portanto, a novidade da coleta junto à elite letrada são esses materiais que possibilitam a análise da variação estilística que se observa no comportamento de todo falante em função do nível de formalidade da situação em se encontra. Além disso, foram aplicados, com cada participante, testes que procuram capturar a forma como esses membros da elite letrada percebem e avaliam as formas em variação na língua, no nível da morfossintaxe. Todo esse material já foi gravado e está sendo transcrito, com previsão de conclusão dos trabalhos de constituição do Amostra Linguística da Norma Culta da cidade de Salvador, Bahia, até o final do ano de 2024.
Com a conclusão deste trabalho de constituição de sua base empírica, o Projeto Vertentes se habilita a traçar um panorama da polarização sociolinguística no Estado da Bahia, bem como reunir subsídios para um ensino da língua portuguesa mais ajustado à realidade linguística do país, com a necessária revisão da norma de referência linguística. Além disso, toda a pesquisa do Projeto Vertentes visa desenvolver o reconhecimento e o respeito à diversidade linguística como parte do respeito e da preservação da diversidade cultural, comportamental, religiosa e sexual, condição fundamental para a construção de uma sociedade inclusiva, tolerante e verdadeiramente democrática.
RESULTADOS ESPERADOS E IMPACTOS DA PESQUISA DO PROJETO VERTENTES