Ao final da gravação das entrevistas e das falas formais com os informantes cultos de Salvador, são aplicados testes que buscam registrar como esses falantes avaliam as formas em variação na língua do Brasil no plano da morfossintaxe.
...Ao final da entrevista, aplica-se o Teste de Avaliação Indireta, com a apresentação ao informante de três versões distintas de uma mesma carta. As três versões têm exatamente o mesmo conteúdo – um homem está terminando uma relação amorosa com uma mulher – e praticamente o mesmo léxico. A diferença decorrerá de variações no nível da morfossintaxe. Uma primeira versão contém variantes típicas da norma padrão, como a mesóclise, relativas padrão, uso categórico do subjuntivo, verbo haver existencial e impessoal etc. A segunda versão contém traços típicos da norma popular: falta de concordância verbal e nominal, oração relativa com pronome lembrete, uso predominante do tu, uso do indicativo em contextos de subjuntivo etc. A terceira versão contém as variantes que se supõe da linguagem informal da elite letrada: relativas cortadoras, uso do a gente em lugar do nós, próclise pronominal e ênclise junto a formas verbais do futuro etc. As versões são lidas na seguinte ordem: versão supostamente popular, a supostamente padrão e a supostamente culta e informal. Ao final da leitura de cada versão, pergunta-se ao informante qual seria a profissão do seu autor, com estas três alternativas: faxineiro, juiz de direito ou gerente de loja. Após a leitura das três cartas e das respostas do entrevistado, entrega-se a ele as cartas escritas, para que ele sublinhe os aspectos da linguagem que fundamentaram o seu julgamento em cada uma das três versões.
Ao final da gravação da fala formal, aplica-se o Teste de Avaliação Direta e Adequação, que se divide em duas partes. O teste é escrito, e o participante responde marcando opções que se colocam durante a leitura. Na primeira parte, de avaliação direta, são apresentadas ao participante 32 frases, ilustrando a variação dos seguintes aspectos da morfossintaxe: (i) colocação pronominal, (ii) emprego do modo subjuntivo, (iii) orações relativas, (iv) forma do pronome da 1ª pessoa do plural (nós/a gente); (v) concordância verbal; (vi) concordância nominal; (vii) forma do pronome acusativo da 3ª pessoa; e (viii) emprego das formas verbais do futuro. Ao final de cada frase, o informante deve classificá-la, dentro das seguintes opções: essa frase é típica de uma linguagem: formal demais; formal; informal; ou incorreta. Na segunda parte, relativa à adequação, o participante deve-se imaginar em duas situações distintas: na primeira situação, ele/a está fazendo uma exposição sobre um tema numa reunião de trabalho; na segunda situação, ele/a está em um bar conversando descontraidamente com os seus amigos. Em cada situação, são apresentadas frases com as mesmas variáveis morfossintáticas para ele/a escolher qual variante empregaria, bem como indicar qual ele/a nunca empregaria, por ser muito formal ou informal (a depender da situação), ou por ser gramaticalmente incorreta, ou por ser de difícil compreensão (independentemente da situação).
Os resultados desses testes fornecerão dados valiosos para iluminar, não apenas como os falantes da elite letrada avaliam as formas em variação no português brasileiro, mas também como a variedade culta da língua está mudando, porque a forma como os falantes percebem as variantes linguísticas em concorrência nos potenciais processos de mudança em curso na língua é um dos fatores cruciais na implementação ou retração desses processos de mudança linguística, no que os fundadores da Sociolinguística Variacionista denominaram problema da avaliação (WEINREICH; LBAOV; HERZOG, 2006[1968]). Não obstante a importância dessa dimensão da mudança linguística, os grandes projetos de pesquisa sociolinguística no Brasil limitaram-se a recolher amostras do vernáculo, ou seja, da fala informal dos falantes selecionados aleatoriamente (LABOV, 2008[1972]). Dessa forma, o desenvolvimento dessa metodologia de testes de avaliação subjetiva das variantes linguísticas é uma significativa contribuição do Projeto Vertentes para o desenvolvimento da pesquisa sociolinguística no Brasil.
RESULTADOS ESPERADOS E IMPACTOS DA PESQUISA DO PROJETO VERTENTES
Referências BibliográficasLABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008[1972].
WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. São Paulo: Parábola, 2006[1968].