Para constituir a base empírica para a análise da norma culta de Salvador, Bahia, com o enquadramento teórico e metodológico da Sociolinguística Variacionista, os pesquisadores do Projeto Vertentes e seus assistentes estão gravando entrevistas informais, com pelo menos 40 minutos de duração, e elocuções formais, com pelo menos 20 minutos de duração, com 24 soteropolitanos, escolhidos aleatoriamente e distribuídos equitativamente pelos dois sexos e três faixas etárias: de 25 a 35 anos; de 45 a 55 anos e de 65 a 75 anos. Adotando o parâmetro do Projeto NURC, todos os falantes gravados têm ao menos um curso superior completo. Já o intervalo entre as faixas etárias visa a estabelecer o interregno de cerca de 20 anos (aproximadamente uma geração) entre uma faixa e outra. A observação dessa diferença geracional no comportamento linguístico dos falantes é a base para análise da mudança em tempo aparente (LABOV, 2008 [1972], 1982, 1994). Para além dessas duas variáveis sociais que estratificam a amostra, outras variáveis sociais também estão sendo controladas para serem consideradas na análise: o nível de escolaridade dos pais, a etnia e ter ou não ter feito pós-graduação stricto sensu (mestrado ou doutorado).
...O nível de escolaridade dos pais do falante é uma variável que possibilita observar os efeitos da grande ampliação do número de vagas no ensino superior no país, nas últimas décadas. Com essa ampliação, muitos indivíduos das classes mais baixas, em cujo ambiente familiar se empregaria mais a norma popular, ingressaram na universidade. Cabe aferir o efeito dessa ampliação do espectro social do público universitário na norma culta, pois, quando o acesso ao ensino superior era bem mais restrito, predominavam nas universidades indivíduos, cujos pais também tinham um elevado grau de escolarização. Assim, pretende-se verificar se uma maior ou menor escolaridade dos pais se reflete ou não em uma maior adequação à norma padrão por parte do falante com alta escolaridade. Nessa mesma linha de investigação, será aferido se o fato de ter feito um curso de mestrado ou doutorado levará o indivíduo a usar mais as variantes do padrão normativo, como certos tipos de colocação pronominal e as orações relativas com preposição regendo o pronome relativo. Essas duas variáveis sociais implicam um detalhamento no escrutínio da relação entre escolarização e o uso da norma padrão.
Por fim, a variável etnicidade é de grande centralidade na capital mais preta do país, e uma necessária consideração do racismo estrutural na análise dos padrões de comportamento linguístico. A consideração da variável auto identificação étnica visa a aferir se a histórica marginalização das pessoas pretas e pardas vai se refletir no seu comportamento linguístico, de modo que essas pessoas, mesmo alcançado um alto patamar de escolaridade, ainda guardem na sua fala marcas da norma popular, afastando-se assim do padrão normativo.
No que concerne à gravação da amostra de fala, as técnicas da entrevista sociolinguística visam a obter a fala mais informal possível do entrevistado, ou seja, o seu vernáculo, numa situação, a da entrevista, pouco favorável a uma fala espontânea (LABOV, 2008[1972]). Assim, no primeiro encontro, o pesquisador vai procurar fazer com que o entrevistado pense o mínimo possível na forma como ele está falando, tratando de temas de sua vida familiar e afetiva, bem como de temas, como situações de risco de vida, que fazem com que o falante se envolva emotivamente com o tema da conversação, dispersando sua atenção da forma de sua produção verbal.
Ao final desse primeiro encontro, encerrada a entrevista de temas pessoais, será pedido ao entrevistado que leia, ainda com o gravador ligado, um pequeno texto escrito, uma lista de palavras e uma lista de pares mínimos, com variáveis fônicas supostamente presentes na norma culta de Salvador, como o [r], [l] e [s] pós-vocálicos e a forma do morfema de gerúndio [nd]. Por fim, será combinado com entrevistado, um segundo encontro, no qual ele fará uma exposição formal sobre um tema livre de sua atividade profissional. Em muitos casos, o entrevistado pode fornecer o vídeo, ou a gravação de uma exposição formal que já tenha feito. Essa última opção tem sido a preferida por se tratar de uma situação real de exposição formal, considerando, sobretudo, o modelo de audience design de Bell (1984, 2001). Essa coleta permitirá uma análise empiricamente fundamentada da variação estilística, considerando dois níveis de formalidade (ou de monitoramento da fala), na análise de fenômenos da morfossintaxe (bafala informal e fala formal), e cinco níveis de formalidade na análise de variáveis fônicas (fala informal, fala formal, leitura de texto, leitura de lista de palavras e leitura de pares mínimos). Em face da escassez de pesquisas empíricas com essa configuração, esse é um dos avanços que a pesquisa do Projeto Vertentes pretende trazer para o avanço do estudo da variação e da mudança linguística no Brasil.
Além da gravação da fala formal e da fala informal, também serão aplicados testes de avaliação subjetiva de variantes linguísticas no nível da morfossintaxe, com os mesmos informantes. Esses testes fornecerão dados muito valises para mesurar como os falantes da elite letrada estão percebendo a variação linguística, pois a forma como os falantes reagem diante das variantes linguísticas é um fator fundamental que atua sobre a implementação ou retração das mudanças linguísticas, no que ficou conhecido na teoria sociolinguística como problema da avaliação.
4ª Etapa/Testes
Referências BibliográficasBELL, Allan. Back in style: reworking audience design. Language in Society, n. 13, v. 2. p. 145-201, 1984.
BELL, Allan. Language style as audience design. In: ECKERT, Penelope; RICKFORD, John (eds.). Style and Sociolinguistic Variation. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 139-169
LABOV, William. Building on empirical foundations. In: LEHMANN, W. P.; MALKIEL, Y. (Ed.). Perspectives on historical linguistics. Amsterdam; Philadelphia: John Benjamins, 1982. p.17-92.
LABOV, William. Principles of linguistic change. Oxford; Cambridge: Blackwell, 1994.
LABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008[1972].