Silvana Silva de Farias Araujo
Norma Lúcia Fernandes de Almeida
No ano de 1993, quando pertencia ao quadro de professores da Universidade Estadual de Feira de Santana, o Professor Dante Lucchesi concebeu um projeto de pesquisa intitulado Estudo da Língua Falada no Semi-Árido Baiano. Com a sua saída da UEFS para a Universidade Federal da Bahia, o projeto não chegou a ser implementado. Em 1996, as professoras Norma Lucia Fernandes de Almeida e Zenaide Oliveira Novais Carneiro idealizaram e deram início a um projeto na mesma perspectiva. Desde então, o projeto vem agregando pesquisadores e incorporando ao seu acervo amostras da língua falada na região, oportunizando a realização de análises que buscam explicitar as origens e a caracterização do português brasileiro. O projeto, que hoje se intitula A língua portuguesa do semiárido baiano, está sediado no Núcleo de Estudos de Língua Portuguesa - NELP, da Universidade Estadual de Feira de Santana, e já finalizou e publicou corpora com entrevistas de moradores da zona rural dos municípios de Caem (Anselino da Fonseca), Rio de Contas, Jeremoabo e Feira de Santana, conforme pode ser melhor conferido em http://www.uefs.br/nelp.
Atualmente, o projeto está em sua terceira fase e volta-se para a sede do município de Feira de Santana. Entende-se que os dados coletados nessa cidade fornecem importantes subsídios para o entendimento da formação, caracterização e difusão do português brasileiro, notadamente no que se refere ao entrecruzamento das normas populares e cultas e ao contato rural e urbano, pois a língua falada nesse município agrega características que a fazem ser um “espelho” da realidade sociolinguística brasileira, conforme se pode depreender a partir da sucinta exposição sobre a sócio-história do município exposta no próximo parágrafo.
As origens de Feira de Santana remontam ao século XVIII e a um passado eminentemente rural, impulsionada pela “civilização do couro”, a civilização sertaneja, (BOAVENTURA, 1989), caracterizando-se por ser um lugar de passagem de viajantes, vaqueiros e tropeiros, já que, na fazenda “Santana dos Olhos D’ Água”, estava a Estrada das boiadas, por onde eram conduzidos animais comercializados em Cachoeira, Santo Amaro e Salvador. Até a década de 1940, a indústria era incipiente, apenas transformava produtos agrícolas e pecuários. De acordo com Poppino (1968), entre os anos de 1940 e 1950, há um incremento no estabelecimento comercial na cidade em virtude do crescimento populacional, do progresso dos transportes e da dificuldade de importação, advinda com a eclosão da II Guerra. A partir da década de 1970, o desenvolvimento industrial da cidade é impulsionado devido à criação do Centro das Indústrias de Feira de Santana (CIFS) e do Centro Industrial Subaé (CIS), que atraíram ainda mais migrantes de todas as regiões para o município, que vislumbravam possibilidades de trabalho e a oferta de serviços. Tais características fizeram com que a cidade que, até o ano de 1950, apresentava 68.03% de sua população residindo na zona rural, aumentasse em muito o seu contingente populacional, de modo que, em 1996, 87.45% de sua população residia na zona urbana. Atualmente, a cidade, localizada a 108 Km da capital, apresenta uma dinâmica próxima de Salvador, sendo o maior município do interior da Bahia, possuindo uma população de 584.497 habitantes. Assim, pode ser considerada um núcleo que exerce influência cultural, econômica e provavelmente linguística sobre diversas microrregiões do semiárido baiano, uma vez que, recebe uma população flutuante e permanente de indivíduos da microrregião, tornando-se, aglutinadora de diversos falares e culturas. Concomitantemente ao recebimento da população agrícola de outras regiões do estado, que trazem seus filhos para estudar ou vêm em busca de emprego, encontra-se um grande número de migrantes de diversos estados do nordeste (geralmente oriundos de cidades do interior), que fogem da seca, principalmente de Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Sergipe.
Instigados por essas características sócio-históricas, os pesquisadores do projeto A língua portuguesa do semiárido baiano buscam responder perguntas como: que consequências linguísticas pode ter havido a partir desse contato de tantos falantes oriundos da zona rural do estado da Bahia e até de outros estados? Será que o dialeto urbano de Feira de Santana sofreu muitas influências dos dialetos rurais e vice-versa? (ALMEIDA, 2005). Assim, na terceira fase do projeto, continuou-se a privilegiar gravações DID (diálogo entre informante e documentador), tal como fora feito nas entrevistas das outras fases do projeto, e a adotar o arcabouço teórico-metodológico da Sociolinguística Variacionista (WEINREICH, LABOV e HERZOG,1968 e LABOV, 1972, 1982, 1994), que possibilitou o estabelecimento dos seguintes critérios para a seleção dos 72 informantes:
FATORES SÓCIO-CULTURAIS | ||||
---|---|---|---|---|
GÊNERO | Masculino | |||
Feminino | ||||
FAIXA ETÁRIA | ||||
Faixa I (25 a 35 anos) | ||||
Faixa II (35 a 45 anos) | ||||
Faixa III (acima de 65 anos) | ||||
CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA | ||||
Norma Popular | Norma Semi-culta | Norma Culta | ||
Feirenses filhos de feirenses | Feirenses filhos de feirenses | Feirenses filhos de feirenses | ||
Feirenses filhos de migrantes | ||||
Feirenses da zona rural | ||||
Migrantes |
Com os dados do projeto de todas as suas fases, inclusive da terceira, já foram realizadas análises sobre diversos temas, a exemplo do uso variável dos pronomes pessoais, a síncope das proparoxítonas, a alternância ter/haver em construções existenciais, o fenômeno da palatalização, a indeterminação do sujeito, o sujeito nulo, entre outros. As pesquisas foram realizadas com o apoio de órgãos de fomento como FAPESP, CNPq, além de contar com o apoio da própria UEFS, seja com o apoio de materiais de consumo seja com o de bolsas de iniciação científica. Já foram realizadas algumas monografias de especialização, dissertações de mestrado, de doutoramento e mais pesquisas estão em andamento. Os responsáveis pela organização do corpus da atual fase foram as professoras Norma Lúcia Fernandes de Almeida, Eliana Pitombo Teixeira, Silvana Silva de Farias Araujo e Zenaide Oliveira Novais Carneiro.
Entende-se que a associação ao projeto Vertentes do Português do Popular do Estado da Bahia proporcionará uma importante oportunidade para que a caracterização do português do interior seja mais bem compreendida, sendo oportunizado um intercâmbio de dados e fontes de estudos. O corpus do município de Feira de Santana encontra-se assim estruturado:
NORMA POPULAR
# | Masculino | Masculino | Feminino | Feminino | |
---|---|---|---|---|---|
1 | Faixa I (25 a 35 anos) | 26 anos | 33 anos | 31 anos | |
2 | Faixa II (45 a 55 anos) | 50 anos | 45 anos | 54 anos | |
3 | Faixa III (mais de 65) | 70 anos | 76 anos |
# | Masculino | Masculino | Feminino | Feminino | |
---|---|---|---|---|---|
1 | Faixa I (25 a 35 anos) | 32 anos | 35 anos | 28 anos | 27 anos |
2 | Faixa II (45 a 55 anos) | 53 anos | 45 anos | 48 anos | 48 anos |
3 | Faixa III (mais de 65) | 66 anos | 82 anos | 69 anos | 66 anos |
# | Masculino | Masculino | Feminino | Feminino | |
---|---|---|---|---|---|
1 | Faixa I (25 a 35 anos) | 29 anos | 30 anos | 25 anos | |
2 | Faixa II (45 a 55 anos) | 47 anos | 49 anos | 46 anos | 55 anos |
3 | Faixa III (mais de 65) | 84 anos | 68 anos | 65 anos | 75 anos |
# | Masculino | Masculino | Feminino | Feminino | |
---|---|---|---|---|---|
1 | Faixa I (25 a 35 anos) | 31 anos | 35 anos | 28 anos | 32 anos |
2 | Faixa II (45 a 55 anos) | 52 anos | 48 anos | 56 anos | 55 anos |
3 | Faixa III (mais de 65) | 74 anos | 75 anos | 68 anos | 77 anos |
# | Masculino | Masculino | Feminino | Feminino | |
---|---|---|---|---|---|
1 | Faixa I (25 a 35 anos) | 33 anos | 25 anos | 26 anos | 30 anos |
2 | Faixa II (45 a 55 anos) | 53 anos | 56 anos | 48 anos | |
3 | Faixa III (mais de 65) |
OBS.: As células em branco indicam que a entrevista ainda será feita.
ALMEIDA, Norma Lucia Fernandes de. Sujeito nulo e morfologia verbal no português falado em três comunidades rurais da Bahia. Tese. (Doutorado em Linguística). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.
BOAVENTURA, Eurico Alves. Fidalgos e vaqueiros. Salvador: Editora da UFBA, 1989.
LABOV, William. Sociolinguistics patterns. 3. ed. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972.
LABOV, William. Building on empirical foundations. In: LEHMAN, W; MALKIEL, Y. (Eds.). Perspectives on historical Linguistics. Amsterdam: John Benjamins, 1982. p. 17-92.
LABOV, William.Principles of linguistic change. Oxford/ Cambridge: Blackwell Publishers, 1994.
POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Itapuã, 1968.
WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística. Tradução de Marcos Bagno; revisão técnica Carlos Alberto Faraco; posfácio de Maria da Conceição Paiva e Maria Eugênia L. Duarte. São Paulo: Parábola, 2006.
Dante Lucchesi pronuncia-se sobre a polêmica do livro didático adotado pelo MEC.
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